Saturday, October 16, 2004

Retrospectiva, parte 2 - Circular

Este texto, escrito aos dezesseis anos, foi minha tentativa frustrada de participar do concurso de contos sobre o Rio de Janeiro de um jornal carioca de grande circulação. No caso, a cidade serve como pano de fundo apenas.

Circular
Prólogo
Esta carta não tem destino ou destinatário. É apenas mais uma carta de... É tentativa de. Porque acordei aos trinta anos. Perdi a vida sim. O chão está gelado. E nele me deito. E caio na vala da felicidade alheia e me agarro ao primeiro braço. Rezo para não me lançarem do alto. O dia cai, a noite sai. Eu permaneço. E suspeito. De um suspiro, de dor no peito. Apenas sinais. Veio. Vulgaridade salvadora. Cuspir no chão. Me dá a mão. Pêlo no pêlo arrepia o peito. A boca pintada compensa a desformusura. Sem compostura. Ou perdão. É assim amor de irmão. Estranha as palavras rápidas. Erradas. Exatas. Cala a boca. Vem. Some. Esconde. Esquece. Escorre. Hoje. Eterno fugaz. Dias atrás. Nunca mais.
Brilha o sol
As linhas se cruzam como pernas cruzadas. No ponto final. Aquele love-affair durou do 584 ao 570, Cosme Velho ( não é à toa que um fato prolongado no passado chama-se imperfeito - e é sempre neste pretérito que busco a razão ou qualquer explicação que entorpeça o presente. Mas o presente não tem outras formas. Apenas não quero sofrer porque o futuro do presente será igual ao futuro do pretérito, só variarão as desinências ). Os ciclos repetem-se, imitam o circular Cosme Velho/ Leblon. Que me tirou de Laranjeiras. Que me tirou daquele quarto azul que me torturava. Era a lembrança do não-realizado, o quarto que vimos e não aproveitamos. E azul também era a cor da moda da juventude dourada filha da PUC. Mas preto era a cor das águas da Baía de Guanabara que cercavam a baixa Zona Sul. Preto é também a cor da elegância... Desci do salto.
Foi no tempodo ônibus na saída do ensaio, do chiclete no boca, de aventuras que se resumiam a ir a Santa Teresa. O universo preto e laranja e sorrisos fazia o calor brilhante ser agradável no comentário teenage-bubblegum-rock´n´roll-imaturo da felicidade simples- intocável-interminável-incômoda.
Laranjeiras. A escola de música na ladeira de esgoto e ratos era a coroação da infância no Fluminense Footbal Club, era mais poético ( ingênuo ) do que escorregar no papelão no Parque Guinle. Eu o vi no 584... Coincidências... Na escola de música. O beijo de despedida. De audácia. - Onde estavam meus pés?- Era só. Entre o entretanto e o tão somente, era só.
Chegar ao topo
Explosão!
As entrelinhas felizes devem ser preservadas, isso não se compartilha, é fato concluído no passado, já disse. São imperfeitas, ninguém deve nelas se inspirar. - A verdade é que não existe alguém a altura de vivê-las.
... ( substituídas por reticências - caso sinta falta, ponha aqui suas próprias - sejam memórias, algo corrente ou meras expectativas).
Fragmentos da decadência
"A espera de nada adiantara. Diante de seus olhos, pelos seus ouvidos, tudo tomava proporções assustadoras. E, principalmente, a idéia de que nada adiantara. E começou a se perguntar o porquê de tanta expectativa, afinal, sabia que nada mudaria, mas se forçava a acreditar, pois assim se acalmaria. Porém, agorasentia o que parecia uma espécie de vingança de uma mente sórdida - a sua. Mas chamou de "efeito cumulativo das emoções"- um termo um tanto técnico e frio, que talvez amenuzasse o calor de seus sentimentos" - Piegas.
"Como você fica bonita quando vomita. Pena que se desfez dos seus cabelos longos. O rosto queima, a maquiagem está borrada..." - Violento.
Detalhes do fim
Dói demais.
Meses depois
O Despertar da consciência
Naquela noite ouvi Villa-Lobos no rádio e desejei estar dirigindo meu próprio carro enquanto passava em frente ao São Vicente de Paulo. Quis alguns vidros estilhaçados. Não haveria mais nada? Mofei nas ruas de Laranjeiras, enjoadas de impossibilidades ás onze da noite no caminho de casa ouvindo Villa-Lobos. No caminho para casa às onze da noite. Para casa.
Resolvi que ia voltaravidavelhanova e antes ia prestar alguns alguns esclarecimentos ( espero que ela não tenha pensado que era um olhar raivosooudeciúmeoudeinveja naquele dia seguinte ). Dali a dois dias eu nada sentia no ônibus indo para Laranjeiras, ainda pensei : nada sentia mas se continuasse poderia ficar enjoada ou com dor de barriga e se não era melhor ir para casa, mas continuei e nada senti.
Subi a rua pra ver se tinha o chorinho mas nada havia e eu nem esperei para ver se começava e desci a rua logo. Mofei na Rua das Laranjeiras à uma da terde. Aí pensei supermercado ou ponto de ônibus e fiquei no meio termoe ele veio passando com ela e acenou com a cabeça e eu fui correndo sem ter ensaiado o que falar e pedi desculpas e dei explicações e silêncio, constrangimento. Você ainda tá lá? E vocês, vão fazer o quê? Ah, é? e eu senti um amor maternal por ela como se ela fosse uma virgenzinha imaculada, tão pequena e delicada e por ele nada, ele agora tem uma barbinha feita e penteia o cabelo, e se esqueceu que fora no ano passado - o tempo psicológico de cada um é diferente e relativoà importância que se dá aos fatos e eu esqueci de perguntar sobre aquele livro.
Epílogo
A vida parece mais curta quando colares de contas se partem. O todo se desfaz e as unidades se perdem no chão, irão para o aspirador de pó ou o ralo e então para o lixo ou esgoto. E a memória não existe mais. Tentei guardar as pérolas daquele colar partido, encontrei algumas que, falsas, perderam o brilho que refletia distorcido o meu rosto. Pálido. Pérolas. tentativa de reviver os anos quarenta ou vinte ou qualquer época que não fosse a minha. Não sou Clarice para tomar banho de mar. Nasci em Laranjeiras assim como Lima Barreto, abaixo do Cosme Velho de Machado de Assis. Um dia de chuva ( clichê ) basta.
P.S. - Semi-repetição:
A diferença era que desta vez não existiram telefones trocados. Não era uma escolha, mas a única opção. Não era eu paciente e sim agente. De um beijo de despedida e nenhuma palavra, nenhum contato posterior - pequena variável. Final infeliz de uma idealização - Essa é outra história repetida.
Talvez tenha sido assim porque, desta vez, aconteceu no Leblon.
E eu vivo na baixa Zona Sul e uso meias puídas.