Tuesday, July 19, 2005

Olho de gato

O metrô de superfície, desde a última estação da linha 2, chega molhado ao Estácio. Os vidros embaçados e ela parecendo um bolinho enrolada nos casacos de lã um tanto exagerados para o inverno carioca. Tem bochechas redondas e rosadas, saudável como um bebê superalimentado. Baldeação. Fosse habitué da linha 1 somente, a cena completar-se-ia com um copo de chocolate quente, muito new yorker. Suas botas, todavia, apenas se pretendiam couro e portava um guarda-chuva florido magenta e lilás, cinco reais no mercadão.
O carioca sente-se imponente, lords and ladies quando sem cigarro sai fumacinha da boca durante o dia. Fog e garoa na Rio Branco. Inevitavelmente, o cabelo fica arrepiado, não importa o quão bem amarrado seja o coque de recepcionista. Um gato preto molhado em posição de ataque. No outro lado da rua. Solta um miado que mais soa como grunhidos de bebês saudáveis superalimentados com bochechas rosadas e redondas.
Ela olhou o olho do gato.
( Lugar-comum – animais individualistas e traiçoeiros, deve-se evitar cruzar com estes quando possuem a coloração negra. Contra a luz, seus olhos remetem a espelhos vazios. )
Nada viu. Sequer pupilas amarelas. Sentiu pena, era filhote, ela tinha um quintal e uma casa verde com arco na entrada. O gato estava molhado. Seu cabelo preto estava arrepiado. Ele desceu as escadarias do metrô com passos infantis. Se não visto, passaria incólume a um trem da linha um ou cairia no vão dos trilhos interrompendo o transporte. Dali a oito horas, ela, linha 2 até estação final. Chegou ao trabalho e se sentou. Fixou o olhar num ponto qualquer, quase cega. Mas as bochechas estavam ainda mais vermelhas.