Sunday, April 17, 2005

Princesa

Sua vida lembrava autobahn até o Acidente. Sem sobressaltos. Ferira seus olhos e deixara duras as articulações dos dedos da mão esquerda, o Acidente. Até então, jamais vestira cor-de-rosa.
A mulher ao lado no ônibus atendera o celular. A voz mais doce do que sua cara revelaria, mesmo sob quilos de pancake. Não, ele está bem, beijo, tchau, pé no freio, a mão doente não segurava o banco da frente. Só aparava. Ele está bem. Obrigada, obrigada, repetira minutos antes. A cara dura deu licença e não sorriu em resposta. Agora dizia com voz de mocinha ele está bem.
Sua mão esquerda estava dura desde o Acidente. Pelo menos escrevia com a outra. Recuperara os olhos mas as mãos nem fisioterapia. Amarrou a cara com corda náutica. Pau Ferro. Quem está bem? Cenho franzido. Responde, vai, responde. Finge ignorar. Isso mesmo, no telefone, ele quem? Finge não ouvir. Não insiste mais. Cara dura levanta e sai dois pontos antes do supermercado.
Será que ela me achou maluca. Rosto quente. No Acidente, somente os olhos. Ela ficou com medo, com certeza. E olha que estou vestindo cor-de-rosa. A blusa por baixo. Terninho tipo Prada cinza padrão. Não distorce. ( Imagem surpreendente, certamente já imaginavas mocinha nonsense de roupas esfarrapadas e cabelos revoltos ). Por isso, cara dura não esperara – choque.
Castelo. Mais ou menos metade da torre. Princesinha diplomática. Rosa e cinza estão na moda. Ele quem? Princesa aleijada, ironia PelMex. A mão dura, algumas gotas de colírio e sua tragédia de estimação. A cara dura, algumas gotas de suor ( nervoso ) e sua pessoa de estimação. Paralelismos inevitáveis, ação e reação, eu pergunto, ela recua, ele fala, ele quem?
A princesa da Taquara perguntou – sem mais restos! O Acidente já deixara migalhas. Não os olhos, a mão. Ouvia ainda inteiro, intocado. Não vamos mais por partes. Ele era desconhecido, mas a cara da mulher era dura. Como a mão após o Acidente. Antes, não se importaria com identidades irrelevantes. Hoje queria todo. O indicador para frente, o polegar para cima. Os outros dedos esquerdos encolhidos. Uma impossibilidade, um tiro. Saindo fumacinha como nos desenhos animados.
Assassinara a namorada e fora preso. Cadeia especial, superior completo na Universidad Católica.
Cara dura com um saco de compras na cabeça, estirada na calçada.
Doce. Cada um sofre o Acidente que merece.