Sunday, August 28, 2005

Considerações prepositivas (Dezessete anos)

Porque ele ainda era bem novinho. Uma graça. Diria ingênuo, trocando os pés sem saber modo ou causa, estudando, fingindo e batendo uma punheta no banho religiosamente todos os dias. Uma auréola ensolarada sobre a cabeça. Menininho. Ainda agarrado ao seio materno, embora já mostrasse dentes afiados. E um olhar de soslaio imperceptivelmente maquiavélico. Anjinho ambíguo. Uma dose de maldade faz bem, garoto esperto, não se deixa enganar por aquelas, bem, na escola, cabelo comprido, liso e uma calça apertadinha, uma bundinha e um nariz arrebitados, nem aí, síntese adolescente, inebriante como a droga que você ainda não experimentou. Ela, bem. Nessa idade tinha que ser. Me dá um tapa na cara com esse desprezo, fiz um verso viu, vou gozar com essa sua ignorância que não macula os seus peitinhos redondos, que você é pudica demais para mostrar pra mim, mas sugere todos os dias com esse uniforme, igual ao meu, olha só, sua calça boca-de-sino na escola, linda, linda, olha só, posso ser o seu lugar-comum. Posso te falar daqueles discos que pensei que você conhecesse ou simplesmente da festa de ontem. Não importa, Júlia, digo seu nome em alto e bom som, você sabe, eles sabem e te chamam de gordinha e riem da minha cara, sabia? Mas seu nariz e bunda empinados me fazem todos os dias religiosamente antes do colégio porque só gosto de sair de casa limpinho, sou muito inocente, sabe, você não sabe, Júlia, Camila, minha garçonete mexicana, prefiro te dar dinheiro vivo, pagando você faz? Daqui a cinco anos, então? Cala a boca.
Fade-out. Adeus Júlia, adeus criança.
A garota no filme parece com você. ( A garota do filme acorda para fazer uma prova na escola e deixa seu amante mais velho perplexo e encantado e imóvel, simplesmente por existir daquele jeito, das menininhas e cabelos curtos e vermelhos que se casarão aos dezoito, muito modernas, para brincar de casinha e tentar fazer de conta que não ficarão sozinhas aos trinta e poucos e uns lexotans a mais na circulação).
A garota do filme enchia-a de orgulho. O primeiro – fútil, bonitinha, estilosa, padrões masculinos muito bem servidos, palavras de um legítimo representante da espécie. A garota no filme enchia-a de banzo. Cabelos curtos e na verdade era mais uma mocinha de saia e blusa de jérsei azul e cabelos compridos (sempre eles) pintados de louro desbotado que em seu footing premeditava um futuro branco e alugado.
Branco e alugado. Os remendos ficam por dentro. Estilo império, porque esconde a barriga Ela olhava uma vitrine em Copacabana. Não abrira a boca ou sequer sabia a voz da vendedora. Diálogos imaginários são mais seguros nos dias de terror ou ternura. Não queria casar de branco, nem era religiosa. Nem carregava um filho na barriga.
A garota do filme submete-se. É entregue aos cuidados de. Um prato muito cheio – de operário, deglutido com voracidade e arrotado. A garota no filme independe (se). Está(tica).

Vocês duas perdem para Júlia, babacas. O anjinho ri.