Monday, October 31, 2005

Fragmentário

Ela é linda, você tem razão. Sexo negado é sempre mais gostoso. Novinho, você, ainda nem sabe o que quer, né, faz parte do jogo, indie girls last all Summer long ( indie boys too). Olha, estou admitindo, acredite, ela é linda, sem dúvida. Et trés cultivée. Perfeito. Olha pra mim, você não tá acreditando, eu realmente acho que você tem razão, olha pra cá, qual é o problema? Talvez seja sarcasmo, te irrita ou satisfaz? Se é ou não, adivinha. Pensei que fosse gostar. E quer saber, nem sei o porquê disso, de tentar te agradar, você não faz a menor questão de ser-me minimamente agradável, acho que nunca viu meu rosto, nunca me olhou na cara. Literalmente...
É isso mesmo? Olha na minha cara, vem cá, por que não? Meu rosto é deformado, eu sei, um câncer galopante ( sim, sim, existe câncer de rosto, alíás, câncer dá em tudo o que você quiser, é metáfora de si mesmo, pela falta de definição). Daqui a uns três meses só uns pedaços quebrados de osso, carne e pele. Você não olha. É porque tem medo de gostar disso. Fato. Espere até experimentar o frio na espinha que dá olhar nessa cara ( como quando você a viu da primeira vez). Cada um com os seus fetiches, até pode ser bom pra mim, mas você sempre olha na direção contrária e seu rosto de criança.
Um sorriso extremamente bobo e as costas curvadas e a voz ainda fina ( demais para o seu tamanho, meu bem ), e você vai ouvir aquela música sozinho, inconsciente de que te acompanham nessas notas e move os pés seguindo o ritmo, nervoso, como neurose de pré-adolescente, pós-moderno, pré-coito, pré-palavra, pré-texto. Não macula sua inocência, não ergue os olhos do papel, tem medo da face dilacerada, lhe é aflitivo ou você gosta?
Quando você olha sente a dor latejando e teme gostar dessa dor, eu sei, e ela chega e é muito bonitinha e simpática e esperta, não nego, já admiti, você pensa que é ironia, mas aí você olha na cara. Dela, direto, no rosto, o hálito que acompanha as palavras, vinte centímetros da boca dela, na boca dela. Então reage, diz que dói se você vir e a dor não lhe agrada, pena.

( As cegas no ônibus. Massagistas profissionais.)
— ... acham que você vê tudo preto.
— Ou tudo branco. Todo mundo pensa que quando você perde a visão vê tudo branco ou tudo preto. Você simplesmente não vê.

( Devaneio: mas você, filhinha, também não olha o rosto de alguém e é ele que vai ficar contigo quando não houver sinal de cara, você sabe, não é doxa, é a Verdade. Inquestionável ).

Não te obrigo a preto, branco ou sombra, só a pele, carne, osso e sangue pisado.
— Pára, não consigo olhar, admito.
Ela abaixa a cara torta. Deveria usá-la para limpar o chão.