Friday, March 04, 2005

E sobretudo um nariz em pé

Tatuou certa inscrição nas costas. Apesar de todas as promessas, doera, e mais ainda pela falta de aviso. De dentro para fora, irradiando por toda a pele em breves e intensas pontadas. Palavras pretas com bordas vermelhas não-intencionais sobre a cútis branca – gostava de usar vocabulário antigo, neste caso baseada em velhos anúncios da Coty , diva, como às vezes fora ( era ) chamada. Fora, por ironia, era, por admiração sincera. Tentava com grande afinco levar em consideração a segunda opção. Mas o contorno avermelhado lá estava para destacar. O tiro saíra melhor pela culatra.
Sentada no mesmo café de outras estórias – com “e”, como já não consta no Aurélio de bolso – com o mesmo maço de Carlton prateado, a taça de vinho argentino, mais vagabundo que fino ( risos ), o arzinho blasé que lhe era inerente e todos os clichês mais uma vez repetidos sem culpa. Fora e era, com diferentes agentes da passiva. Contemplação – ela, sujeito paciente. As mesmas cores. A mesma mesa. Ela mexeu o braço. Ele virou a cabeça. Ela levantou a taça. Ele cortou o bife. Ela sorveu o líquido. Ele mastigou a carne. Pseudo-Prévert . Sofisticação forçada versus violência do instinto, que profundo! Auto-ironia sem fim, vício, maldito vício, onde vou parar, meu Deus, a cabeça saltitava como uma fadinha de contos infantis, brilha, brilha estrelinha, olhe para si mesma, mulher, pare com a poesia. Vinho argentino, mesmo da pior espécie, não é doce. E saindo daquele bistrô no Leblon, encararia uma hora de ônibus e depois o metrô ( linha dois, vejam só) até o subúrbio carioca. Duplo sentido, dupla face. E óculos escuros ( novidade... ).
Tom amargo e voz de puta velha por causa do cigarro. Todavia, por trás do jornal ouviu uma palavra e surpresa! Risadas espontâneas e meias-palavras devidamente compreendidas, sem pena ou remorso. O sarcasmo não tinha gosto de fel. Ópera-bufa. Deus ex-machina. Aplausos pelo roteiro furado. And the Oscar goes to... Melodramas dois mil e cinco. Curiosa era a verdade. Furado o script por ser fielmente baseado em fatos reais. Sem licença. Poética ou jurídica.( n. a .- esses cafés da alta Zona Sul, geralmente localizados em livrarias caras, disponibilizam exemplares dos principais jornais para os clientes, assim, deve-se inferir que o exemplar nas mãos do personagem não era próprio ).
Levantara da mesa. Oi. Olá, não importa aqui a seqüência dos fatos. Era o mesmo estabelecimento comercial. Mas agora ela tinha uma tatuagem inflamada e um ar de alívio. Rapaz...