Tuesday, June 06, 2006

Réquiem, com óbvias influências.

Ela conseguiu. De primeira. Supus que houvesse cortado os pulsos ou ingerido barbitúricos. Mal sabia... Conseguiu, enfim, fazer jus àquele arzinho blasé, frágil, aos rompantes literários público-melancólicos. Eu sou mais sutil. Ela transformou a morte em espetáculo — comoção! — “Como alguém tão jovem? Tão de repente!” “A úlima vez que a vi...”, os outros procuram pistas, os outros tornam-se íntimos, ela ganha amigos e o meu despeito. Supus cortes ou pílulas. Ela se atirou do décimo primeiro. Coisa de quem quer mesmo, dizem. Quem quer se joga do alto de um prédio (dica: no Rio de Janeiro, a Universidade Estadual serve a tais propósitos) ou dá um tiro na cabeça. Eu sou mais sutil. Eu fabrico um câncer. Uma válvula do coração entupida. Cheia de gordura. Ninguém imaginaria numa menina magrinha. Eu escondo o caroço no peito, finjo que a dor ainda não existe, nem atinge já o braço e as costas. Ela conseguiu. Eu nunca cheguei a tomar remédios. Nem pra cabeça nem pro câncer nem pro coração. Lara não conseguiu. Narro a história. Ela ri. De primeira? Parabéns. Que Deus a tenha. Ela não avisou. Quem vai fazer de verdade não avisa. Eu sou mais sutil. Aviso a alguns, para que não achem que vou fazer. Enquanto isso fabrico. Minha intenção é um diagnóstico tardio. Nunca tentei a sério pelos meios normais. No máximo cinco comprimidos. No máximo uns filetes de sangue no braço. Moro no décimo quinto e há três pistolas carregadas em casa. Nunca tentei a sério pelos meios normais, logo se vê. Escondo a dor e a taquicardia. Fabrico um sofrimento prolongado. Não haverá comoção. Já será esperado. Tempo para que os outros “se preparem” e sintam pena. Ela conseguiu. Eu aposto na sutileza. Lara ri.