Wednesday, November 30, 2005

Vestido Azul (ainda Catete)

Vestido azul de seda. Tirado do armário com antecedência de duas semanas para eliminar o cheiro de guardado. Há vinte anos. Mesmo manequim. Mulher robusta. Batom coral engrossando fora dos lábios, demasiado afinados pelo tempo. O traço nos olhos contornava incerto, por causa das mãos sem firmeza. Laquê nos cabelos curtos pintados de louro-claro-quase-branco. O colar de pérolas falsas amareladas no colo flácido. Perfume forte. Francês. A sala verde, os móveis de mogno-de-lei (não se faz mais assim, foi-se a solidez, a modernidade é descartável). O piano. As mãos magras cheias de veias e manchas nas teclas do piano. Para se apoiar. Schuman. O retrato do coronel sobre o piano. A flor de plástico ao lado do retrato.
Ela abre a porta atrás de si e a fecha com cuidado. Tranca. A porta pantográfica do elevador rouco de madeira. Ele estala a cada andar quando ela desce.
Ela só vai até a portaria.