Thursday, October 28, 2004

Da poética ( Apoética?)

Não encerrava sentido em si mesma. Sempre caída pelos cantos e sem razão em momentos tolos e não almejava mais. Levantava a taça e brindava a si e a um futuro que se pretendia minimamente promissor. Encontrava-se tão facilmente embora se soubesse perdida entre tantas camas desfeitas, desmanchadas em afetos igualmente tolos. Incontestáveis manchas de sangue, suor e pudor e seus fragmentos perdidos no lençol branco e as pérolas perdidas no trajeto até o quarto. Tantas vezes repetido, sempre a mesma finalidade. Banal. Assim como as palavras pronunciadas entre lábios sujos de sexo e auto-punição ( merecia a pena máxima pois permitira-se ... esqueça, meu bem, não vamos criar problemas). Apelo, apenas, um olhar, respiração entrecortada e reticências. Nada mais.

Saturday, October 16, 2004

Retrospectiva, parte 2 - Circular

Este texto, escrito aos dezesseis anos, foi minha tentativa frustrada de participar do concurso de contos sobre o Rio de Janeiro de um jornal carioca de grande circulação. No caso, a cidade serve como pano de fundo apenas.

Circular
Prólogo
Esta carta não tem destino ou destinatário. É apenas mais uma carta de... É tentativa de. Porque acordei aos trinta anos. Perdi a vida sim. O chão está gelado. E nele me deito. E caio na vala da felicidade alheia e me agarro ao primeiro braço. Rezo para não me lançarem do alto. O dia cai, a noite sai. Eu permaneço. E suspeito. De um suspiro, de dor no peito. Apenas sinais. Veio. Vulgaridade salvadora. Cuspir no chão. Me dá a mão. Pêlo no pêlo arrepia o peito. A boca pintada compensa a desformusura. Sem compostura. Ou perdão. É assim amor de irmão. Estranha as palavras rápidas. Erradas. Exatas. Cala a boca. Vem. Some. Esconde. Esquece. Escorre. Hoje. Eterno fugaz. Dias atrás. Nunca mais.
Brilha o sol
As linhas se cruzam como pernas cruzadas. No ponto final. Aquele love-affair durou do 584 ao 570, Cosme Velho ( não é à toa que um fato prolongado no passado chama-se imperfeito - e é sempre neste pretérito que busco a razão ou qualquer explicação que entorpeça o presente. Mas o presente não tem outras formas. Apenas não quero sofrer porque o futuro do presente será igual ao futuro do pretérito, só variarão as desinências ). Os ciclos repetem-se, imitam o circular Cosme Velho/ Leblon. Que me tirou de Laranjeiras. Que me tirou daquele quarto azul que me torturava. Era a lembrança do não-realizado, o quarto que vimos e não aproveitamos. E azul também era a cor da moda da juventude dourada filha da PUC. Mas preto era a cor das águas da Baía de Guanabara que cercavam a baixa Zona Sul. Preto é também a cor da elegância... Desci do salto.
Foi no tempodo ônibus na saída do ensaio, do chiclete no boca, de aventuras que se resumiam a ir a Santa Teresa. O universo preto e laranja e sorrisos fazia o calor brilhante ser agradável no comentário teenage-bubblegum-rock´n´roll-imaturo da felicidade simples- intocável-interminável-incômoda.
Laranjeiras. A escola de música na ladeira de esgoto e ratos era a coroação da infância no Fluminense Footbal Club, era mais poético ( ingênuo ) do que escorregar no papelão no Parque Guinle. Eu o vi no 584... Coincidências... Na escola de música. O beijo de despedida. De audácia. - Onde estavam meus pés?- Era só. Entre o entretanto e o tão somente, era só.
Chegar ao topo
Explosão!
As entrelinhas felizes devem ser preservadas, isso não se compartilha, é fato concluído no passado, já disse. São imperfeitas, ninguém deve nelas se inspirar. - A verdade é que não existe alguém a altura de vivê-las.
... ( substituídas por reticências - caso sinta falta, ponha aqui suas próprias - sejam memórias, algo corrente ou meras expectativas).
Fragmentos da decadência
"A espera de nada adiantara. Diante de seus olhos, pelos seus ouvidos, tudo tomava proporções assustadoras. E, principalmente, a idéia de que nada adiantara. E começou a se perguntar o porquê de tanta expectativa, afinal, sabia que nada mudaria, mas se forçava a acreditar, pois assim se acalmaria. Porém, agorasentia o que parecia uma espécie de vingança de uma mente sórdida - a sua. Mas chamou de "efeito cumulativo das emoções"- um termo um tanto técnico e frio, que talvez amenuzasse o calor de seus sentimentos" - Piegas.
"Como você fica bonita quando vomita. Pena que se desfez dos seus cabelos longos. O rosto queima, a maquiagem está borrada..." - Violento.
Detalhes do fim
Dói demais.
Meses depois
O Despertar da consciência
Naquela noite ouvi Villa-Lobos no rádio e desejei estar dirigindo meu próprio carro enquanto passava em frente ao São Vicente de Paulo. Quis alguns vidros estilhaçados. Não haveria mais nada? Mofei nas ruas de Laranjeiras, enjoadas de impossibilidades ás onze da noite no caminho de casa ouvindo Villa-Lobos. No caminho para casa às onze da noite. Para casa.
Resolvi que ia voltaravidavelhanova e antes ia prestar alguns alguns esclarecimentos ( espero que ela não tenha pensado que era um olhar raivosooudeciúmeoudeinveja naquele dia seguinte ). Dali a dois dias eu nada sentia no ônibus indo para Laranjeiras, ainda pensei : nada sentia mas se continuasse poderia ficar enjoada ou com dor de barriga e se não era melhor ir para casa, mas continuei e nada senti.
Subi a rua pra ver se tinha o chorinho mas nada havia e eu nem esperei para ver se começava e desci a rua logo. Mofei na Rua das Laranjeiras à uma da terde. Aí pensei supermercado ou ponto de ônibus e fiquei no meio termoe ele veio passando com ela e acenou com a cabeça e eu fui correndo sem ter ensaiado o que falar e pedi desculpas e dei explicações e silêncio, constrangimento. Você ainda tá lá? E vocês, vão fazer o quê? Ah, é? e eu senti um amor maternal por ela como se ela fosse uma virgenzinha imaculada, tão pequena e delicada e por ele nada, ele agora tem uma barbinha feita e penteia o cabelo, e se esqueceu que fora no ano passado - o tempo psicológico de cada um é diferente e relativoà importância que se dá aos fatos e eu esqueci de perguntar sobre aquele livro.
Epílogo
A vida parece mais curta quando colares de contas se partem. O todo se desfaz e as unidades se perdem no chão, irão para o aspirador de pó ou o ralo e então para o lixo ou esgoto. E a memória não existe mais. Tentei guardar as pérolas daquele colar partido, encontrei algumas que, falsas, perderam o brilho que refletia distorcido o meu rosto. Pálido. Pérolas. tentativa de reviver os anos quarenta ou vinte ou qualquer época que não fosse a minha. Não sou Clarice para tomar banho de mar. Nasci em Laranjeiras assim como Lima Barreto, abaixo do Cosme Velho de Machado de Assis. Um dia de chuva ( clichê ) basta.
P.S. - Semi-repetição:
A diferença era que desta vez não existiram telefones trocados. Não era uma escolha, mas a única opção. Não era eu paciente e sim agente. De um beijo de despedida e nenhuma palavra, nenhum contato posterior - pequena variável. Final infeliz de uma idealização - Essa é outra história repetida.
Talvez tenha sido assim porque, desta vez, aconteceu no Leblon.
E eu vivo na baixa Zona Sul e uso meias puídas.

Friday, October 15, 2004

Estado de graça

Acariciou a barriga e acendeu um cigarro. Sempre escondera que fumava e agora mais ainda - tal ato passara do apenas incômodo ao imoral (embora assim houvesse acentuado-se o gosto açucarado da transgressão). Mas precisava dar um pouco de glamour a essa sua imagem. Se bem que, pensava melhor, continuaria a parecer personagem de fotos americanas da Grande Depressão. O vestido de chita, sua posição, refastelada numa poltrona velha com os pés descalços no parapeito da janela e, sobretudo, o volume no abdômen não deixavam outra opção. Mais do que nunca, presa, pesada, patética. E lembrou-se dos motivos totalmente egoístas que a levaram àquele estado. Seria um vínculo irrevogável com aquele que amava. Ele estaria sempre a rondar ( ela, definitivamente, não confiava no próprio taco, por mais que ele jurasse para Ela e para todos a cada dia , ligasse dez vezes para saber o estado d´Ela, e não do que carregava, a comesse de bom grado mesmo com seus braços e pernas roliços e ventre proeminente). Pensou em como ela, mãe, irmã, amigas criticavam as moças pobres ( gente de baixo nível, coitadas ) que embuchavam para segurar seus homens. Porque o único objetivo delas era ter um homem - ao qual se referiam carinhosa e singelamente como "meu esposo". Um leve sorriso sarcástico tomou-lhe o canto da boca. Os olhos continuavam fixos. Somente perturbados por esporádicas piscadas involuntárias. Deu ainda um trago antes que o telefone tocasse. Pela décima vez. Para atendê-lo, deveria deixar a cômoda posição e o cômodo abafado e assim o fez, em dois passos.
Pela janela.

Thursday, October 14, 2004

Retrospectiva, parte 1 - Centro

Alguns esclarecimentos:
Postarei alguns textos antigos que considero importantes, ou porque se destacaram, ou porque são bastante representativos de certas épocas da minha vida. Este texto foi o vencedor do primeiro concurso literário do colégio, quando eu estava no segundo ano do ensino médio, porém foi escrito aos catorze anos. Seria hoje mera lembrança ou estigma? Eis aqui...

Centro
Perdi. Nenhuma calçada alagada sob chuva alguma , nenhuma corrida desesperada rumo a um lugar qualquer fariam com que eu encontrasse. Nem lágrimas. Ou metáforas raras. Estas só costumam resolver casos amorosos e não era esse o tipo de problema. Seria fácil demais. Diante de mim apenas o céu pintado em um quadro. Impressionista. Fora de foco, em borrões que simulavam a miopia proposital, com o único objetivo de ao menos por alguns instantes não enxergar detalhes. Pela janela fechada entrava um fino raio de sol, tão incômodo e desnecessário, porém não conseguia ser desprezível, a janela estava fechada e lá ele continuava, eu queria que o dia morresse e mais um pouco - que a luz se fosse - mas de sua doce insignificância pequenos pontos de pó, levantados pelo filete iluminado, brilhavam.
Como eu, acostumada à minha tipicamente urbana, poderia viver naquele lugar, sufocante em seu limitado espaço, com suas pequenas casas cor de terra e quintais onde cresciam trepadeiras verdes salpicadas de amarelo-ouro, peças de roupa surradas secando no longo varal ao lado... Com suas pessoas tão ordinariamente simples?
A luz não iria embora. Tudo o que eu podia fazer era pegar meu velho par de óculos escuros, de haste preta e grossa, e dar um passeio por aquela medíocre cidadezinha que agora era minha. Saí de minha nova casa velha , que se diferenciava das outras, era maior, por que não mais bonita?, mas velha. Como tudo naquele lugar. Andava por aquelas ruas que alternavam terra batida e paralelpípedos soltos e observava as pessoas, assim como me acostumara a fazer no lugar de onde vim, tão belo em suas nuances de cinza e fumaça. Via aqueles rostos, aquelas corpos, senhoras carolas, moças em suas roupas fora de moda, rapazes com suas bicicletas, homens fumando algo arcaico como suas vidas e , exatamente como naquela lindo e pacífico lugar cinzento, de sons e gases de onde eu vim, comecei a me perguntar sealguma dequelas pessoas poderia algum dia ser especial para mim.
Não. Era a única resposta a ser dada. Eu pretendia continuar sendo a imagem do tédio. Blasé. Cinza. Eu não podia me habituar à vida naquele lugar, sob pena de me tornar semelhante a seus moradores. Não podia gostar , não podia nem queria que minha vida se adequasse à inércia daquela "quase cidade".
Um estranho saudosimo tomou conta de mim naquele momento. Lembrava-me do tempo que tivera para viver. Viver e ruminar planos e idéias que pareciam revolucionários, antiga rotina. Planos e idéias como sempre, nem sempre registrados em papel, nunca transformados em ação. Mas aquilo era a juventude, ter frases e histórias e vida, mesmo que não se tornem realidade. Tudo o que eu queria era poder dizer que vivia, mas rondava a sensação de que aqueles esparsos momentos de sangue correndo nas veias, da mais consciente insanidade, não haviam sidoo bastante.Fora o tempo para começar e terminar, ou, numa hipótese mais otimista, começar e não terminar, porém, o fim de uma etapa tornara-se quase inevitável diante das perpectivas. Expectativas. Agora, realidade. Acabara-se a época de minha última liberdade.
Entrei numa mercearia toda feita de tábuas de madeira e comecei a procurar algo para comer, entre os grãos que dominavam o cenário e combinavam tão bem com aquela cidade de beges e marrons até no clima seco, aqueles tons de terra que predominavamno pequenino estabelecimento, até que finalmente reparei e decidi comprar umas enormes frutas hexagonais e vermelhas que se destacavam . Eu gostava de vermelho, principalmente porque me lembrava um pouco vinho. Vinho tinto, champagne, vodca, cerveja, cinza. Batidas eletrônicas, as luzes piscandoe transformandoo que se passa num quadro-a- quadro, mais precisamente em flashes frenéticos. Estar bêbada. Fumar. Olhos vermelhos. Não ouvir mais a música e continuar dançando e se lembrar que tem vergonha de dançar. Não se importar. Pisar em nuvens. Testar o equilíbrio e estar cambaleante. Olhos inertes. Provar libertação. Eu. Primeira pessoa. Do singular.
Cinza, não marrom.
E os habitantes do bege eram demasiadamente irritantes: bons, gentis e educados, notei que todos me agradeciam por qualquer coisa, até se eu pisasse no pé de alguém - Obrigado por me contar as maravilhas que há no mundo além das grades, obrigado por me deixar saber que existecondicional, obrigado por me garntir que o futuro jamais chegará.
Quando me dirigi ao caixa, olhei para a caixa registradora e me dei conta de que, na verdade, tal objeto deveria ser algum ancestral de caixa registradora. Aquilo me fez pensar que aquela cidade havia, mais do que parado no tempo, voltado alguns anos. Achei melhor levar a fruta para comer em casa. De repente, me dei contade quenão podia comer aquela fruta, que só era consumida lá, por aquelas pessoas, dauqela cidadezinha e eu não queria adquirir seus hábitos. Mas a fruta era suculenta e eu estava com fome. Comi. Só depois me lenbrei que os peixes morrem pela boca, mas já era tarde demais.
Continuei minha caminhada, agora de volta a minha nova casavelha. De repente, uma daquelas senhoras carolas de saia vermelha veio até mim e disse:
- Como a moça enxerga bem, mas pensa demais...
Não me inportei com aquele breve discurso, afinal, auqla pessoa jamais me conheceria, não podia saber sequer se eu pensava e nãopodia ver meus olhos através das lentes escuras, mas... Não passaram cinco minutos e eu grupo de crianças veio novamente elogiar minha visão. Parecia ser a nova atração local, logo eu, que definitivamente não pretendia chamar atenção.
Eu andava sempre con cautela, quanto aos meus atos, quanto às minhas palavras, para continuar rumo ao meu objetivo, continuar como era , sem absorver costumes que não eram os meus. E pelo meu caminho as pessoas continuavam a me dizer para "enxergar, não pensar".
Num outro dia, em uma das minhas inúteis e mesmo perigosas caminhadas, em que sempre corria o risco de me desviar, notei que algo me atrapalhava visão. Seriam as lentes dos óculos ou minha vista que embaçava? Parecia mesmo seram apenas as lentes, pois as limpei e a fina névoa que a encobria saiu. Achei que havia pouca gente nas ruas àquela hora do dia: geralmente havia mais gente fora de casa. Enfim, eu estava apenas conhecendo a rotina daquela cidade. Porém, talvez fosse um conhecimento indesejável, pois me arriscaria a gostar e me acostumar. E isso eu não queria.
Desde aquele dia, freqüentemente as lentes embaçavam e as tentativas dos habitantes daquela cidade de elogiar minha visãoaumentavam. E cada vez mais criticavam meus pensamentos. Como podiam criticar algo que não conheciam? O que ou a quem o meu pensar incomodava, e por quê? Não suportava tamanha ignorância... Tentavam me agradar de uma maneira que se tornava insuportável.
Eu tinha sempre que tirar os óculos para limpar, mas não desistia de usá-los, gostava deles. Comecei a achar que as pessoas daquela cidade estavam saindo menos de casa, o número de pessoas nas ruas parecia menor, ou será que eu tinha aquela sensação pois não conseguia enxergar direito com os óculos embaçados?
Comecei a notar um certo desespero nas tentativas de agrado e nas críticas, à medida que menos pessoas eu via. Era um tanto engraçado que aquela gente ainda não houvesse percebido que eu não queria ter maiores contstos com seus costumes e tentasse fazer com que eu parasse de pensar. Naquele momento ri bastante, pelo menos havia algo para fazer com que eu realmente não gostasse dali: as pessoas só me diziam a mesma coisa, invariavelmete. Nesse ponto podia dizer que as coisas estavam dando certo.
Até que um dia, uma das moças com roupas fora-de-moda correu em minha direçaõ chorando.
- Por que você pensa tanto?! - e rapidamente saiu da minha frente.
Aquilo me deixou um tanto aflita pela aparente raiva com que aquelas palavras foram ditas. Devo ter ficado meio atordoada com aquele fato, tão repentino, tanto que meus óculos caíram no chão, aquele mesmo chão barrento e cheio de paralelepípedos soltos, estes que me fizeram tropeçar e quase me estatelar naquela lame, destino do qual não escapou meu velho par de óculos. Foi aí que percebi que não eram apenas as lentes dos óculos, mas a minha vista estava embaçada, eu não conseguia enxergar direito e não podia fazer nada para mudar a situação.
Desorientada, cheguei a um lugar em que nunca estivera, que eu não conhecia de fotos, tão diferente. Seria ressaca ou tempestade? Talvez estivesse demasiado exaltada para definir. Fora apenas água sobre mim, privando-me de meus sentidos, fazendo-me quase morta, e depois um espírito letárgico, consciente, uma consciência pálida que apenas me tornava distante do mundo. Mas as águasque me sufocavam e arrastavam minhas forças em turbilhão apenas esverdeavam os doces campos interioranos e tronavam esplendorosa a dourada palha ordinária, que alimenta o fogo que a própria água apaga, a mesma água escra que lutava contra minha mente e meu corpo e devia ser produzida mesmo que me tirasse a vida, e assim dormi sobre a palha campestre.
E então estava eu outra vez em minha nova casa velha, onde conseguia ver tudo muito bem, as memórias de meu querido lugar cinzento, de minha origem. Abri a porta. Saí. E naõ vi mais ninguém na pequena quase cidade, mas podia sentir sua presença. Uma alegria da qual eu não podia participar, naquela medíocre cidadezinha que agora era minha.
Perdi?

Tuesday, October 12, 2004

Discurso indireto

Não sei ( ou ela não sabe?) se opto pela primeira ou terceira pessoa e penso ( ela pensa?) que o presente descreve-se por si mesmo, sendo minha ( sua ) intervenção desnecessária. Diante desses impasses , decido (decide ) pelo equilíbrio, embora seja a escolha mais frágil. Segunda pessoa e pretérito (imutável).
Sabes que calou-se por tão pouco e tua boca fechou-se seca em promessas perdidas entre velhas pretensões e histórias agridoces e sentaste diante de janelas sem vista apenas para tomar espasmos de vento, tão raros quanto abafados - mas esses soavam-te frescos. Enquanto olhavas os ladrilhos do prédio mais próximo, deixavas as mãos pendentes ao lado do corpo por não poder tocá-los e sentir-lhes o frio da superfície. Não ouvias as vozes dos vizinhos e criavas palavras que te dissessem algo de agradável sentido e remetia-te, só, ao primeiro dia. Não piscavas, olhos fixos , em quê? Não podias fitar tua própria expressão mas aliviava-te pela solidão que impossibilitava que outrem a visse, imaginava-te triunfante e assim serias. Podias certificar-te do teu semblante por tua vontade ininterrupta de estar no controle e sabias tua soberania sobre teu corpo estático.
Bateram na porta e não abriste, mas entraram mesmo assim. E o que fizeste ?

( E o que faço? )

Sunday, October 10, 2004

Ela, em seus trajes de garoto

"9 songs...
Lisa: Do you think I look like a boy?
Matt: Yep... That´s why I like you. "
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Hoje faz cinco anos que me apaixonei por aquela menina. Inexplicavelmente, hoje lembro-me disso - ao mesmo tempo em que pela primeira vez vejo que Copacabana é tão diferente à noite, são tantos os detalhes que sob a luz uniformizante do dia passam despercebidos. Talvez isso deva-se a essa minha distração, que também nunca me permitiu distingüir a idade d´Ela. Seu rosto exprimia catorze ou vinte anos, mas o uniforme largo de escola limitava pouco mais a conta e tornava-a ainda mais indefinida. Apenas mais uma dessas meninas tristes. Apenas mais uma entre tantas , hoje ou há cinco anos, num apartamento sem número ou num ônibus em Copacabana ( Cosme Velho - Leblon , o meio do caminho ).

Saturday, October 09, 2004

Sobre gatos e compaixão

Gosto da idéia de torturar gatos e só me despertam comiseração rapazolas patéticos. Sim, quanto a esse último, não consigo nutrir tal sentimento por mais ninguém, em situação alguma. Não pensem ser exagero, embora as duas atitudes somadas possam assemelhar-se à psicopatia. E eu acredito que ainda vou arder no inferno por isso ( mesmo assim, não tenho mais medo de morrer ). Sequer consigo ter pena de alguém que apenas uma única vez tenha me incomodado, mesmo que este tenha um parente próximo ( ou esteja ele próprio ) à beira da morte. Não sou capaz de verter lágrimas por falecidos. Não respeito as flores mortas, ressequidas entre páginas de um livro já há muito lido.

Friday, October 08, 2004

"O apogeu já é o declínio"

Entro em uma livraria e me vem a incontrolável vontade de aumentar minha biblioteca. Boa seleção, tortura , a mais cruel tortura - luxúria literária ( não , o pecado capital não se emprega aqui equivocadamente , o prazer diante da possibilidade de adquirir certos livros beira o sexual ). Apenas na seção de poesia. Cacaso ou Blake, Espanca ou Neruda, Drummond ou Augusto dos Anjos, Maiakóvski ou Yeats? Bocage, Bandeira, Bukowski. Dos estrangeiros, elimino as edições não-bilíngües; dos nossos, coletâneas. Para Baudelaire, tenho a desculpa de ser esse muito caro, fim de mês, bancos em greve, meu cartão desmagnetizado, enfim, por que olho para a estante ao lado e não resisto a Kerouac? Pocket, provável tradução ruim, no mínimo degradante para minha pretensa exigência. Prosa. Minha inevitável fraqueza. Decadência particular. Ou apenas mais um passo em minha corrida rumo... ao nada (?).