Thursday, February 17, 2005

Pernambuco 1996

Chapéu-côco e óculos redondos de tartaruga. O bloco passava nas ruas de Olinda tocando marchinhas de tanto - quanto?- tempo atrás. Impunemente, as escadas do casarão colonial e janelas azuis rangiam. Pé-ante-pé, passos curtos. Na porta, she stood still. Soldadinhos de chumbo em vestes vermelhas tocando bumbo, carrancas invocadas de carne viva. E um sol de rachar ou lascar casca de árvore velha, apesar dos cummulus nimbus. Pelúcia cinzenta. Os céus acariciavam. E não sabia mais distingüir o pé-de-moleque das areias duras da praia do aterro com água fedorenta mordendo os dedos.
O bloco passava numa feira qualquer de cinzas ( primeira ou sétima) e todo o bode possível depois da oitava cerveja ou terceira cachaça ou dos olhos de Maísa. A ponta da unha batucando o batente marcando o ritmo da música. Gerúndio. `Cause we don´t have the present continuous. Mesmo porque o quarto-e-sala no prédio perfumado a creolina e elevador enguiçado de porta pantográfica no Catete não se decidia futur proche ou passé recent abortado.
Ela tinha alguns anos na cara e se imaginava equilibrista apesar da fantasia de clown. Juntou-se - e seus passos curtos - atrás da banda. Só até cinco pra daqui a pouco, então escalaria a ladeira de volta. Cambaleava pro lado em dança frustrada de escriturária e emborcava ora pra frente ora pra trás. Nevertheless, she stood still. Carregava uma margarida na mão pra oferecer ao sorriso da esquina, embora o vento desprendesse (revelasse) os longos cabelos pretos e uma impaciência algo selavagem de não se saber o quê. Assobiava a letra desconhecida , mas afinal , o que dominava , canto juras e promessas riscadas a caneta falha na primeira página do livro e não digo palavra que não queiras ouvir embora saiba não haver moeda de troca ou negociação justa. Escambo fraudulento, com base na ignorância e misericórdia, no primeiro tiro a atingir o peito e sangrar lentamente, escuta-me, pega a flor e cheria o pólen pra espirrar na minha cara a palavra de si e dizer aceito, mulher minha, tua condição inesgotável faz-se aqui de minha posse sem devolução enquanto a banda estava a metros de distância.
Não mais se ouvia a música ou a marcha lenta, ela escorregara nas pedras molhadas, but she stood still. Só precisava subir metade da ladeira sozinha.

Thursday, February 10, 2005

Últimas noites

Nas últimas noites, não pude ver-te dormir. Nada mal, não precisas da inconsciência para transparecer serenidade. Teu rosto somente, ao ler um livro, teus traços evidentes fortes suaves, a linha da tua boca e todo um frêmito insuportável de não ter. Tuas mãos e as dela naquela fotografia. A fuga. Meus olhos miravam os teus e eram intensos, pensaste que eu dissera algo: nada. Nenhuma palavra. Não há necessidade. Então pego um cigarro e mais outro, não sou fumante e mais uma cerveja e taças de vinho e drinks aguados com gosto de memória. Apenas não sei quando parar.
Mas choveu no último dia, bom sinal, não há mais nada a aproveitar e para você é tão fácil, sabe que não tenho coragem de tocar-lhe a face e dizer-lhe boa noite pois sei não haver última chance, tampouco primeira ou vírgulas e interrogações e reticências. Hoje, limito-me a ouvir os sons do teu sono mesmo que ver teu rosto ao dormir seja difícil, negou-me deitar ao seu lado e como eu quisera que aquele gesto fosse um convite. Entretanto, devo saber me colocar no devido lugar e dissimular a dor. Quisera eu que repentinamente pronunciasse meu nome, embora seja o mesmo d´Ela e de tantas outras. Nem mesmo assim. Fecho o livro na penúltima página.