Friday, May 19, 2006

Esse romance não é autobiográfico

M. Ela, seus laços de fita desmanchados, suas unhas vermelhas descascadas. Instável, escrevera uma carta sem saber o que reivindicar. Um empréstimo, um abraço, um amor eterno. Qualquer coisa, desde que vinda de. Qualquer coisa que ela já oferecera, mas já não podia. Talvez o último item, talvez, mas desde que mantido em latência. Não era exatamente uma opção dela própria. Talvez até fosse. Talvez fossem as circunstâncias. Talvez só fosse diferente se fugissem para a Argentina ou São Paulo. Talvez. Tinha dúvidas. Mas ela usava, em si, em sua pele, um perfume que lembrava o cheiro dele. E sabia – certo – o que era a sua neblina. Apesar das negativas, dele para ela, e dela para si mesma. Naquele dia, depois da cama desfeita, do gozo extremo, da despedida que teimava soar definitiva, aquilo, no entanto deixara de ser um querer. Ela teve a certeza. Ele era a sua neblina.
Kitsch, e ela não tinha vergonha. Chupava Guimarães até o fim e misturava com Danielle Steel. Dava até para ver os olhinhos brilhando. as mãos dadas. o encontro final, hollywood, hollywood, globo. O final não é infeliz nem tem beijo gay.
Somos todos muito felizes e o Rio de Janeiro é a cidade maravilhosa.
E quem for bonzinho e se comportar direito ganha um doce na saída.

Wednesday, May 10, 2006

Anedotinha

Queimou os lábios acidentalmente com o garfo. Três tracinhos idênticos dividindo a boca em quatro gomos. É nisso que dá ir com muita sede ao pote, mas às vezes a fome é muito grande e a carne parece tão bonita. Tenra. E ele jamais tivera a delicadeza de soprar antes de pôr na boca. É de extrema importância ressaltar que, além do óbvio prejuízo estético, vaidoso que era, os três traços com bolhas na boca – eis o mais importante, atenção – implicariam um certo período de abstinência ou ao menos incompletude. O que o levou imediatamente a pensar que, se era para queimar, que fosse com algo melhor em seus lábios e língua – metáforas maldosas típicas de um detrator da autopiedade.
Assistindo à televisão no quarto, sobre uma colcha de aviõezinhos, bem distante de qualquer sombra de divã forrado por veludo bordô, sem coragem de expor as marcas do tridente, exasperava-se, como qualquer um na mesma situação, ora bolas, com a impossibilidade de satisfazer sua vontade de comer – o ferimento ardia. Poderia tentar não encostar, mas muitos não-me-toques impediam que gozasse plenamente seus prazeres. Pensando bem, uma dorzinha na hora de entrar é praxe, sorriu malicioso. Nos três próximos dias era o mais próximo que chegaria da satisfação.
Aborreceu-se.
Meninos mimados não podem ser contrariados.

Monday, May 01, 2006

E ponto.

Não há o que dizer sobre isso. Ela era viciada naquela constância, eles bem sabiam; por trás das portas de madeira riam do transtorno obsessivo compulsivo. E gargalharam em deleite semi-sexual quando o ciclo foi quebrado.
Ela nada fez, nem poderia, porém.
A única vez em que ela estivera tão inerte, num distanciamento mais involuntário que altivo foi quando falecera seu irmão.