Wednesday, December 29, 2004

Vestibular

"Capitu parecia vencer-se a si mesma". Tantas questões sobre o mesmo trecho do mesmo texto, objetivas, gramaticais, enfim, resolvidas por milhares de jovens ou nem tanto. Objeto indireto pleonástico, repetição, ênfase e várias possibilidades. Não apenas a personagem machadiana, mas Ela vencia ou pretendia ou ( esta é a verdade, de fato) simplesmente desejava vencer-se a si mesma, Ela, que sempre acertara sem dúvida alguma todas as questões sobre tal frase ( e isto não era ganhar qualquer jogo, muito menos algo inerente a seu íntimo). Como queria que fosse fácil, e não subjetivo; gramática pura, não literatura, por mais que fossem fórmulas de difícil aplicação, ainda assim era muito menos desgastante ( quase doloroso) do que interpretar palavras lidas pela primeira ( ou décima ) vez, em primeira pessoa , ainda que em terceira. Para Ele, no entanto, era extremamente simples , e , se incorreto, desde que reconhecida a falha, tudo bem, aprende-se. Mas Ela desejava vencer e, pelo menos no que dizia respeito à dissimulação ( olhos de cigana oblíqua) , fazia-o a si mesma. Ela não diria enquanto Ele não dissesse e por que demorava tanto?

Meu bem, quero te falar das coisas pequenas e bobas e cotidianas sem-graça para esse teu super-cool world e você, que sabe muito ou ao menos aparenta - nada, não houve, mas não tive tempo anyway - e eu só queria um oi inesperado enquanto pela primeira vez eu não conseguia estancar o sangue e dizer que me apaixonei por aquela mulher ( não menina, e como quis tua pele num abraço e uma palavra piegas , mas não faz nosso estilo nem dura apenas o agora e você deixaria que eu escapasse entre teus dedos). Apenas não te importas com os olhos das moças sérias ( I can´t feel your lips undress my eyes - referências pop são superficiais o bastante - como queres - Sinto, mas não existe sentimento maduro. Há a distância ou o não-somos). Sinto muito, além da conta, como sempre.

Bentinho desconfiava de Capitu, mas a opinião da rapariga, diga-se, seu ciúme, seu afeto tolo, seu... jamais foram o foco da história. Ele é o centro. E se o contrário fosse?

Mulheres devem ter os olhos turvos de ressaca. Fora vencida.

Friday, December 17, 2004

Todo silêncio

Era estranho, apenas isto. E, fosse noite, certamente choraria (contudo, jamais como criança). Mas por que, se era somente um motivo a mais? Entre tantos. Sempre um entre tantos. E sempre a mesma ausência - plagiava Drummond - e o mesmo olhar exausto e as mesmas olheiras fundas e o rosto pálido e os lábios incolores. E estava sentada, sozinha, num refeitório de empresa, luz fria-?- ( e vocês estarão dançando esta noite, aproveitem bem, tenho certeza de que vai ser legal, não, eu realmente não vou - eu nunca vou - vocês sabem a razão, deixa pra lá). Impessoal. Asséptico. Incômodo. Seria melhor acostumar-se, por que sair dali? Antes lá estar, longe de qualquer burburinho ou ouvir restos de conversas e encontrar sentidos indesejados ( sei que foi sem querer). Que a procuravam e invariavelmente achavam. Alheia? Mas...
O que fazer então ( sinta-se lisonjeado) se ele a havia feito ver o sol nascer entre as nuvens por detrás do Pão-de-Açúcar?

Todavia, nunca soubera lidar com os fatos. Suposições eram confortáveis. Não se confirmavam. Tampouco se desmentiam. Reticências. Fatos supunham ponto final. Lineares e constantes. Estranhos e inoportunos para alguém entre o salto mais alto e a queda livre. No entanto, somente podia confirmar: fato era. Ao menos estivere certa. Não era hipótese. Apenas engano.

Saturday, December 11, 2004

Língua

Infelizmente não foi possível. E é aqui que me despeço, posto que me desfaço. Mist. Neste ambiente esfumaçado, apenas me envolvo como parte da atmosfera. Leve, somente uma breve lembrança no ar que respiram, se conseguir ser páreo para o olor doce de um fim de adolescência feliz. O que é extremamente difícil quando toca a mesma música de nossos catorze anos e há meia garrafa de cerveja em cada mesa e era tudo memória e aquele sorriso fugaz e vago e seu olhar sempre se desviava e seus braços fugiam e suas palavras jamais diriam... Enquanto o que havia agora era uma euforia "intensa e profunda" ( mas nunca mergulhe de cabeça na piscina tome cuidado, é noite) e premonitória de um tempo ocre, mas somos tão felizes! E aquela presença tão esperada ( Ouço sua voz alta e odeio essa inocência suspeita em seus olhos). Não era a minha. Passo a vez - meus cadarços estão sempre desamarrados.
That´s OK, there´s nobody to blame. Vejo somente dois e a janela aberta e suas falas nunca incluíram "e", conjunção tão simples e a medida se faz desigual. You, my pretty boys and your wonderful guitars, why can´t I get rid of it? Ninguém segura teu braço até que fique roxo, é o que desejas , contudo, não é o que querem ver. Nothing else to do but stay here, and you won´t come anyway. E tento escrever em língua estrangeira de lirismo simples ( Ah, ingênua, ridícula, mesmo assim Ele não lerá). O que mais? Apenas aquele olho borrado, meu bem, e não esqueça, quando estiver com ela na cama (and wine and the bright lights) de todas as pistas que perdi, negadas por ti e a felicidade soa baixa no cômodo ao lado e onde estou? Tão perto, que, incapaz, finge-se de cego e o espero em pensamento.